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Lançamento de "Instantes do Passado III", de Rosélio Reis


A Associação LPAZ, em colaboração com a Primeiro Capítulo do Grupo Editorial Atlântico, organizou o lançamento do livro Instantes do Passado III, de Rosélio Reis, no dia 2 de Julho de 2022, no Atlântida Cine.


A apresentação desta obra esteve a cargo de Helena Barros, autora da rúbrica de literatura "O Fim dos Princípios”, na Antena 1 Açores.


Os três volumes de Instantes do Passado de Rosélio Reis encontram-se disponíveis neste link.


Estas obras revestem-se da maior importância por capturarem a extraordinária história da ilha e do Aeroporto de Santa Maria, porquanto este património reside sobretudo na memória das pessoas. O facto de os Arquivos do Aeroporto de Santa Maria não estarem salvaguardados por protocolos como o dos arquivos militares ou diplomáticos, torna estas memórias um conhecimento incontornável. São pistas para outras pesquisas de aprofundamento de uma história que, por ser internacional, civil, comercial e até secreta, é complexa e esquiva.


A Associação LPAZ agradece à Direção Regional dos Assuntos Culturais e ao Museu de Santa Maria a possibilidade de realizar esta sessão de lançamento do livro Instantes do Passado III no Atlântida Cine. Um agradecimento também ao Agrupamento 394 Aeroporto do CNE. Foi a primeira iniciativa da sociedade civil mariense neste espaço recentemente inaugurado, após 15 anos de encerramento, depois de ter sido o “epicentro” de uma comunidade culturalmente muito ativa.




Veja aqui a sessão de lançamento.




APRESENTAÇÃO LIVRO INSTANTES DO PASSADO III, DE ROSÉLIO REIS


Por Helena Barros


Quando recebi o convite para fazer a apresentação do livro Instantes do Passado III, de Rosélio Reis, fui assolapada por uma primeira questão: o que terá uma pessoa a dizer sobre um passado que não lhe pertence? Essa pessoa sou eu e o passado remonta à segunda metade do século XX, a uma história que não é minha. Mas depois, no abstrato, perdemos tempo a pensar e chegamos à conclusão que somos de todas as épocas, porque o futuro faz-se das consequências do passado. Mas, também, concretamente: vivi tantas histórias, não só neste livro, como nos dois que o antecederam, que fazem parte da minha memória biográfica, tanto do lado do meu Avô Barros, como do da minha Avó Maria Elena, que se encontra aqui nesta sala.

Há histórias que, aparentemente, acreditamos não serem nossas por lá não termos estado. Mas elas moldaram o que somos hoje e o que queremos projetar para o futuro. Rosélio Reis consegue fazer-nos acreditar que fizemos e fazemos parte das histórias contadas, bem como de todas as que teremos para contar. E, começo exatamente por isso: por lhe agradecer partilhar connosco, com simplicidade, a grandiosidade de uma ilha que só o é por ser a comunhão de pessoas e lugares!

E explico-o nas palavras do autor:


O Atlântida Cine era uma coisa que nunca ninguém imaginou que um dia deixasse de existir: o único lugar dentro da zona residencial e na ilha em geral onde nos sentíamos bem e onde podíamos apreciar um bom filme (…) Mas não era só cinema que o Atlântida Cine nos proporcionava. Também foi casa de Música, Teatro e Revista. Ali [aqui] foram estreadas as peças de Lopes de Araújo, Germano Bairos e Zé Cadete. (…) Há quem se recorde da atuação de uma jovem de 25 anos de idade: era Amália Rodrigues. Esteve no Atlântida Cine em 1959. Maria de Lurdes Resende, a grande dama da canção portuguesa, marcou presença em 1962. Foi no Atlântida Cine que “Os Mais Populares dos Açores” deram um dos seus concertos apoteóticos. Os mais populares da rádio, nos finais da década de 60, foram Simone de Oliveira, que ganhou a Madalena Inglésias, e Tony de Matos, que venceu a António Calvário. (…) Foi nele que estreou o primeiro Rancho Folclórico de Santa Maria e tantas outras coisas que não me vêm à memória. Foi a casa do grupo de teatro “Gente Nova” que reuniu um escol de pessoas com desígnios comuns. Muitos já lá vão: Filipe Cabeceiras, Zé Cadete, Mário Mariante… Ficaram na memória dos companheiros Carlos Arruda, Manelinho Batista, Teresa Cruz… (…) Aquele [este] espaço faz falta em Santa Maria. (…) A imagem afetiva que muitos de nós dele tem está ligada à nossa juventude. A degradação do cinema tem acompanhado a nossa própria degradação e dá-nos um retrato de nós mesmos. (…) Ontem a população de Santa Maria acordou com uma má notícia: o telhado do velho “Base Theatre”, o Atlântida Cine, o Cinema do Aeroporto, caiu! Era um fim lógico mas ninguém consegue ficar imune à tristeza tamanha que isso representa.

28 de julho de 2017, Instantes do Passado I


Senhor Rosélio, hoje, 2 de julho, a população de Santa Maria acordou com uma boa notícia: estamos neste espaço, que nos pertence a todos, a lançar o seu terceiro livro! Temos teto e as portas estão abertas. Para nos recordar que um lugar pode ruir, mas se as pessoas quiserem, podem reconstruir!

Reconstruir é também o que Rosélio Reis fez com esta última edição. Deu vida a lugares, acontecimentos e pessoas. Nas palavras de Bárbara Mesquita, autora do prefácio deste livro, “a história recente de Santa Maria é uma fonte repleta e merecedora de que se impeça o seu esquecimento”. E só o é porque existem pessoas, como Rosélio Reis, que se dedicam a reconstruí-la e a contá-la. E fá-lo com a sabedoria de um conhecedor da simplicidade da Língua Portuguesa, que a conjuga, de forma genuína, com todos os elementos: a descrição pragmática do acontecimento, as suas trocas de correspondência, a sua opinião sobre a realidade e a citação das suas fontes – sejam testemunhos, documentos, fotografias ou gravuras. De realçar a particularidade como introduz conversas e partilhas pessoais, desde a dúvida à certeza, e a forma como admite ser esta a maneira de melhor embelezar a história que se propôs a contar.

Em Instantes do Passado III, o autor conta-nos histórias que podemos dividir em três segmentos: lugares, acontecimentos e pessoas.

“Hotel de Gink” é o texto que nos abre este livro e nos volta a abrir a mente para uma época. Começando por nos dar nota de como foi a sua construção:

“A primeira coisa que aconteceu de especial relevo nesta ilha foi quando os americanos ligaram o primeiro gerador elétrico e se fez luz! Seria isso o pronúncio do que estava para vir.”

Veio mundo por ser o lugar de paragem dos visitantes “mais ilustres” e das “mais altas patentes”. Recebeu artistas - “Frank Sinatra deu espetáculos no cinema do aeroporto e esteve hospedado no hotel” – e desportistas. Tinha até uma equipa de basquetebol, que segundo o autor, “fazia furor”. Dá-nos bem nota de como eram um lugar capacitado e com pessoas instruídas que dele fizeram “um caso modelo”.

Aqui, permitam-me uma nota mais pessoal: apesar de pouco o ter vivido, tenho muito da minha história nele – a começar por ter sido a moradia do meu bisavô Comandante Henrique Costa Pessoa, então diretor do aeroporto, ao casamento dos meus pais e ao seu desfecho em chamas, que me recordo de ter vivido como um dos primeiros momentos de vida que me tirou o sono.

Mas deste lugar ficam os bailes, os torneios de bridge e desportivos e a sua direta ligação ao Clube Asas do Atlântico. Outro texto que nos volta a chamar a atenção para a importância destes espaços culturais, como uma verdadeira forma de evolução de uma comunidade. Neste caso, um Clube que deu vida a todos os funcionários do aeroporto – com uma emissora, uma secção cultural, uma secção desportiva, uma biblioteca, um salão de festas – e que hoje ainda cremos ter um papel preponderante na sociedade mariense. E é aqui que a genuinidade do autor se mostra mais uma vez quando nos diz “as novas gerações assumiram o destino do Clube Asas do Atlântico sem quase conhecerem o seu historial”, realçando a importância do legado cultural que temos de salvaguardar. É certo que, com a quantidade de ofertas, “já não é o lugar predileto para se estar”. Neste passado, é de futuro que se fala!

Talvez seja este o futuro mencionado no texto “Dragoeiro do Asas”, quando nos refere que “as flores já deram fruto: umas bagas redondas com cerca de 15mm de diâmetro. E estão lá em profusão”. Posso-lhe garantir que sim, que eu própria já vejo futuro em sementes que de lá colhi e semeei no ano passado.

Ainda sobre os lugares, Rosélio Reis volta a mostrar as potencialidades deste património edificado num tempo que parece não existir mais, fazendo-nos questionar sobre como podemos regenerar os lugares. É o caso das referências à Estação Loran e ao Pico da Bela Vista, dois lugares onde a natureza se sobrepôs ao homem. No primeiro caso, recordando a nostalgia de quem viveu numa Estação que tudo tinha e que hoje se tornou mato. No segundo caso, relatando a importância desta habitação senhorial, com uma construção vanguardista, que lhe faz ser mencionada em publicações como o “Inventário do Património Imóvel dos Açores”, do Instituto Açoriano de Cultura, ou o “Álbum Açoriano” da antiga casa Bertrand.

Mas a paisagem natural também é alvo das suas pesquisas, destacando-se o Ilhéu da Vila – e o seu estatuto virgem – e a Praia Formosa, lugar que vê a sua ocupação também por via da presença dos americanos, que me voltou a lembrar histórias da Pousada, contadas pela minha avó, e os famosos acampamentos. E as suas potencialidades – ainda atuais – como zona de convívio e de potencial turístico. “Foi um tempo de encanto que se viveu, um tempo diferente, um tempo em que Santa Maria deixou de ser uma ilha pequena e passou a ser uma das mais importantes dos Açores”, afirma o autor.

É com este mesmo sentimento que Rosélio Reis ressalva “e se a ilha era pequena, não se notava”, ao mencionar a passagem do “Circo Guarani em Santa Maria”, como uma novidade, trazida pelo senhor Pepe, que fez com que toda a ilha fosse ao circo, até mais do que uma vez! Um acontecimento tão feliz como os infelizes retratados em “O Arnel” e “O Velma”.

Todos nós conhecemos a baixa do Arnel, na zona dos Cabrestantes, mas talvez sejam poucos aqueles que conheçam a totalidade da história fatídica de 19 de setembro de 1958. São 16 páginas que relatam os pormenores de um navio de passageiros encalhado numa madrugada, com o aviso dado por um dos náufragos que conseguiu chegar ao terminal do aeroporto, toda a complexa operação que envolveu e a romaria de pessoas que se aproximou do local. Talvez seja um dos textos mais densos e crus, dando-nos uma perceção real do acontecimento e da importância histórica que teve para a ilha e para os Açores.

Centrado nesta marcante história do aeroporto, recomendo a leitura do texto sobre a sua construção (as suas motivações e os seus desafios) e outro sobre a sua evacuação (ou dia de folga!) que, acompanhado de fotografias, revela o sentido de humor do autor e de toda uma situação que não passou de um exercício.



Se falamos de todos estes lugares e acontecimentos, não lhes ficam atrás as pessoas. E a capacidade de Rosélio Reis lhes dar o lugar de destaque que merecem na sociedade, pela função social que representaram e representam.

É o caso de Dr. Teles, o médico descrito pelas suas qualidades “humanas” a par da sua competência profissional. A história de vida de um picoense, acarinhado pelos marienses. É um texto que nos fala de bondade e de dignidade, numa altura em que se vivia em ditadura, sem perceção das liberdades individuais.

Mas também do famoso pintor, retratista e caricaturista açoriano Victor Câmara, do qual eu deveria saber mais sobre o mesmo, para além do contacto com três gravuras presentes neste livro e que pertencem ao meu avô Barros. Uma figura incontornável na sociedade açoriana com uma história de vida que merecia ser recordada nestes instantes do passado.

O meu desconhecimento total pela figura de Pedro Brito e Cunha, que retratou, nas suas gravuras, momentos importantíssimos da história do aeroporto. Neste texto, uma nota importante do autor: “Ainda pensei organizar em Santa Maria uma exposição relativa ao assunto (…) Nunca consegui entusiasmar ninguém para prosseguir com essa iniciativa!”. Do passado, novamente, um aviso para o futuro. Quem sabe se não chegaremos a ver esta exposição?

Era de arte e de artistas que esta época vivia, onde a história do aeroporto e do Clube Asas do Atlântico se cruzam uma vez mais.

Fascínio imenso ao ler a vida de Maria de Jesus Tomás e o poema “ilha das Flores” de onde era natural, fazendo-me lembrar o “último Oeste” do também poeta florentino Pedro da Silveira, que comemora o centenário do seu nascimento este ano.

Citando do livro:Maria de Jesus era uma professora em que “a poesia era o refúgio supremo nas horas de evasão espiritual”, no dizer do professor Manuel Jacinto de Andrade, chefe da redação do jornal “Açores”.

Um texto sobre a história de vida de uma mulher que, claramente, estava à frente do seu tempo cultural e social, mencionada por ter desenvolvido importante atividade cultural, com programas radiofónicos no Asas do Atlântico, concursos de poesia e espetáculos de teatro. Das suas quatro filhas, o meu trabalho no Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas fez-me conhecedora da obra de Maria Tomaz, uma mariense que merece também que lhe saibamos dar valor.

Destaque maior para Mário Mariante, um homem que me diz tanto, sem nos termos sequer cruzado. Pus até o seu disco a tocar enquanto preparava este texto que já vai longo e que se quer de “Reencontro”, como na sua canção. Mário Mariante, “a voz da ilha que não esquece”, o impulsionador do grupo “Gente Nova”, habitante deste lugar que nos voltou a ser devolvido e que – esperamos – encontrar os seus precursores para expandir o culto pelo teatro e pela cultura em Santa Maria.

Sobre ele, nunca conseguirei escrever as melhores palavras e, por isso, deixo apenas o excerto em que Rosélio Reis cita António Sousa sobre esta alma inquieta:


É certo que nunca mais sentiremos a presença total deste homem que, “ao vivo” e durante uma boa parte da sua curta existência, quis e soube assumir a arte como quem sente a urgência de estar presente em si e nos outros. E era de facto ao vivo que o Mário mais dava de si: com e pela música, o gesto e a palavra; no humor, na dor, no sonho, na ironia, e na harmonia de uma voz que acabou por divulgar mais as cantigas de outros do que as próprias.


Costumo dizer que tenho saudades do que nunca vivi. Talvez seja isso que sentirei sempre por Mário Mariante.

Por outro lado, Rosélio Reis sabe também contar a sua história mais pessoal.

Ainda esta semana vi um comentário no seu facebook, a propósito do texto do Josué, o cabrito da família, que foi depois para terras da Chá de João Tomé e que deixa saudades a toda a gente. Eis mais uma prova de que tudo, mas tudo, aos olhos de Rosélio Reis pode ser motivo de uma história a investigar e a contar.

E termina com uma das maiores demonstrações de amor que se pode ler: sobre a sua tia Ângela do Espírito Santo Isidoro Alonso, os seus contos guardados nas gavetas da comoda do quarto da Rua Tavares de Resende e o sonho de publicar os seus escritos em livro. “Estou a pensar reuni-los num livro e mandar publicá-los, numa diligência para retirar a minha tia do esquecimento”. E está a pensar muito bem, senhor Rosélio! Ficaremos à espera desta publicação e de mais, mais instantes do passado que nos projetem para o futuro.

Obrigada ao senhor Rosélio por estas memórias. Obrigada à Associação LPAZ por nos possibilitar fazer parte de uma memória coletiva que tem de ser partilhada e eternizada.


Helena Barros

2 julho de 2022, Atlântida Cine.

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