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O Arquipélago dos Açores e a Segunda Guerra Mundial: Uma Perspectiva Geopolítica e Geostratégica

por Professor Luís Andrade | Universidade dos Açores Artigo publicado na revista LPAZ | vol.1 de 6 de maio de 2015 - pode ler aqui INTRODUÇÃO Através do estudo da historiografia portuguesa, designadamente na sua componente militar, não restam dúvidas de que o arquipélago dos Açores, ao longo dos séculos, tem prestado um inegável serviço, não apenas ao país, como é evidente, mas também às potências ocidentais, nomeadamente à Grã-Bretanha e aos Estados Unidos da América, assim como, de uma forma geral, à própria Aliança Atlântica, desde a sua formação, em Abril de 1949. Ao longo do primeiro conflito mundial, designadamente durante a sua primeira fase, as ilhas atlânticas portuguesas não representaram especial preocupação para o país devido ao facto de não se ter registado qualquer incidente nas suas proximidades(1). Nessa altura, o Governo Português reconhece a sua incapacidade e a falta de meios materiais e humanos para fazer face a um eventual conflito que pusesse em risco as suas ilhas no Atlântico. A entrada de Portugal na Primeira Guerra Mundial, em 1916, não altera significativamente a situação. A Grã-Bretanha informa o Governo Português de que asseguraria unilateralmente a defesa dos portos portugueses não continentais. Parece, também, não suscitar qualquer dúvida que a própria entrada de Portugal naquele conflito mundial se deveu ao facto de ser aliado da Grã-Bretanha(2). Por outro lado, os sistemas de alianças anteriores à Primeira Guerra Mundial, foram postos em causa e até acusados de serem os responsáveis pelo alastramento do conflito. É, de igual modo, relevante referir que um dos motivos que está na base da entrada de Portugal no primeiro conflito mundial ao lado dos Aliados, teve a ver, entre outras coisas, com a disputa da representatividade internacional da Península Ibérica. Isto é, a entrada do nosso país na guerra deveu-se, em grande medida, à dialéctica do relacionamento entre Portugal e a Espanha(3). No entanto, como é evidente, a problemática colonial portuguesa não deixou de ser, também, um factor importante a ter em consideração no que concerne especificamente à entrada do nosso país naquele conflito. De igual modo, a já referida posição de dependência de Portugal relativamente à Inglaterra era por demais evidente. Até 1916, acentua-se a mudança nas relações da secular aliança: o seu centro deslocou-se de África para o Atlântico e a posição de dependência e subordinação é mais forte. É importante referir que o Reino Unido nunca poderia aceitar que as ilhas atlânticas portuguesas pudessem eventualmente cair nas mãos dos seus inimigos. Esta questão tem a ver, essencialmente, com a dialéctica existente entre o pequeno e o grande Estado, nomeadamente quando se trata de países dotados de importância geoestratégica. Neste contexto, a nossa fraqueza face à Inglaterra era por demais evidente. Por outro lado, existia uma aliança formal entre os dois Estados que, através da História, apenas funcionou a favor da Inglaterra sem, na maioria das vezes, quaisquer contrapartidas para o nosso país. Portugal sempre foi importante para a Inglaterra na medida em que, tal como escreveu Lord Rotermere no Daily Mail, tem posições estratégicas que o tornam chave das comunicações marítimas da Inglaterra(4). Segundo ele, os Açores são mais importantes do que Gibraltar, Cabo e Singapura juntos, na medida em que, a partir deste arquipélago se pode controlar facilmente as principais rotas marítimas utilizadas pelo seu país. Ainda no que diz respeito àquelas ilhas, escreveu que a teoria de que os Açores podiam ser ocupados por simples acção naval era errada. Uma defesa adequada do arquipélago, acrescentou ele, podia destruir uma expedição naval e impedir as comunicações com a Inglaterra(5). Não podemos, de igual modo, deixar de referir as teses defendidas por Alfred Mahan, entre outros, e que se revestem de uma importância vital para o mundo ocidental e atlântico, particularmente para os Estados Unidos da América(6). As suas ideias influenciaram profundamente o pensamento e a acção de Theodore Roosevelt, quando exerceu as funções de Subsecretário da Marinha dos Estados Unidos da América, assim como, mais tarde, seu Presidente. Mahan analisou ainda, de uma forma exaustiva, a História marítima, designadamente o crescimento da influencia global britânica, tendo chegado à conclusão de que o controlo dos mares, e sobretudo de pontos de passagem estrategicamente importantes, era, de facto, essencial a fim de que um país conseguisse atingir os seus principais objectivos e, desta forma, obter o estatuto de grande potência. Foi exactamente com base nestes pressupostos de natureza geopolítica e geoestratégica que os Estados Unidos da América solicitaram ao Governo Português facilidades de natureza militar nos Açores durante a Segunda Guerra Mundial. Acerca desta problemática, foi Walter Lippman quem, em Fevereiro de 1917, escreveu o seguinte: “A segurança do Atlântico é algo pelo qual os Estados Unidos devem lutar. Porquê? Porque nas duas costas do Oceano Atlântico cresceu uma profunda rede de interesses que contribui para unir o mundo ocidental. Se essa comunidade fosse destruída, dar-nos-íamos então conta daquilo que tínhamos perdido”(7). Anos mais tarde, e já durante o último conflito mundial, Lippman acrescentaria o seguinte: “O Oceano Atlântico não é a fronteira entre a Europa e as Américas. É o mar interior de uma comunidade de nações aliadas umas às outras através da Geografia, da História e da sua necessidade vital”(8). Ainda no que diz respeito à nação norte-americana, foi a 15 de Abril de 1917, que o Ministro de Portugal em Washington envia uma nota diplomática para Lisboa em que se faz uma primeira referência ao estabelecimento de uma base naval norte-americana nos Açores. Aliás, em Ponta Delgada, Roosevelt havia referido a importância deste arquipélago “...a ponto de considerar o apoio concedido pela base naval de Ponta Delgada às forças aliadas mais importante do que a própria participação militar portuguesa no teatro europeu”(9). Ainda em declarações prestadas ao jornal micaelense, República, Roosevelt tinha afirmado que era devido à importância geoestratégica dos Açores que estes haviam prestado uma contribuição muito especial no que concerne ao transporte de tropas do Novo para o Velho continente, tornando possível, desta forma, que o desfecho da guerra não se prolongasse(10). O que também é importante referir, neste contexto, é que enquanto Portugal participou na Primeira Guerra Mundial, a Espanha permaneceu neutral. O nosso país, ao combater ao lado das potências marítimas, deu provas de que a sua política externa estava em sintonia com a dos Alia- dos, facto que, nessa altura, como, aliás, posteriormente, veio a ser extremamente importante para a definição das suas políticas externa e de defesa. A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL Após esta breve introdução relativamente ao papel desempenhado pelo arquipélago dos Açores durante o Primeiro Conflito Mundial, cumpre-nos agora tecer algumas considerações acerca da sua função ao longo da Segunda Guerra Mundial. Nesta perspectiva, entendemos ser relevante começar por referir que, nas suas Memórias, George Kennan menciona que no que diz respeito especificamente à entrada de Portugal na Primeira Guerra Mundial, a pedido da Inglaterra, o nosso país fê-lo de imediato. Na sequência disto, escreveu o seguinte: “era claro que eles fariam o mesmo na Segunda Guerra Mundial se o pedido voltasse a ser formulado. No entanto, as autoridades portuguesas jamais o fariam a não ser que o pedido britânico fosse feito de uma forma inequívoca”(11). Por outro lado, George Kennan desempenhou um papel de relevo no âmbito das negociações com o Governo português na medida em que tentou, e conseguiu, moderar o ímpeto dos militares norte-americanos e convencer a Administração Roosevelt a adoptar uma aproximação mais cautelosa ao governo de Lisboa. Ainda citando as suas Memórias, Kennan ficou seriamente preocupado com a lista quase interminável de facilidades pretendidas pelas forças norte-americanas no arquipélago dos Açores(12). Independentemente deste aspecto, o arquipélago açoriano desempenhou, de 1939 a 1945, uma das suas mais importantes funções em termos estritamente geopolíticos e geoestratégicos. A tal ponto que, por mais de uma vez, esteve iminente a sua ocupação militar tanto pelos Alemães como pelos Aliados. Por outro lado, os pressupostos básicos de natureza geopolítica e geoestratégica já anteriormente referenciados mantêm, de igual modo, toda a sua actualidade no decurso do último conflito mundial. No que diz respeito concretamente à política externa, Portugal manteve uma posição de neutralidade que, mais tarde, foi denominada de colaborante, na medida em que o nosso país concedeu facilidades de natureza militar aos Aliados nos Açores, designadamente aos britânicos, em 1943, na ilha Terceira, e aos norte-americanos, em 1944, na ilha de Santa Maria. No entanto, Oliveira Salazar adoptou uma perspectiva muito peculiar acerca desta matéria, na medida em que entendia que apenas pelo facto de Portugal ter concedido aos Aliados facilidades militares nos Açores, em áreas perfeitamente definidas e delimitadas, como era o caso das Lajes na ilha Terceira, tal facto não implicava que no restante território nacional não se pudesse manter uma posição de estrita neutralidade. Isto traduzia-se numa interpretação da neutralidade em termos exclusivamente geográficos. Isto é, apenas pelo facto de Portugal ter concedido aos Aliados algumas facilidades nos Açores, tal não implicava necessariamente que o restante território nacional perdesse o seu estatuto de neutralidade. É exactamente isto que está na base da adopção do adjectivo “colaborante” à política externa portuguesa a partir de meados de 1943. O então Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal não entendia que, ao adoptar-se tal política, o nosso país tivesse deixado de ser neutral, reconhecendo, todavia, a complexidade de tal problemática, tendo deixado a sua interpretação jurídica aos internacionalistas, como ele próprio, aliás, escreveu. Acerca desta questão, Marcello Caetano dá testemunho disso quando diz ter ouvido a Salazar várias vezes afirmar que o Direito era a mais preciosa arma de defesa de um país pequeno e fraco como Portugal, pelo que haveríamos de observar rigorosamente acordos, tratados e usos comuns e de, com coerência das nossas relações, nos mantermos inflexíveis nos nossos direitos e pontuais no cumprimento das nossas obrigações(13). A QUESTÃO COMERCIAL Oliveira Salazar entendia, por outro lado, que Portugal podia e devia manter relações comerciais por igual tanto com as potências Aliadas como com a Alemanha Nacional-Socialista. No que concerne às questões de natureza comercial, por exemplo, em 1938, o Reino Unido era o maior parceiro de Portugal, surgindo, em segundo lugar, a Alemanha. Neste sentido, Oliveira Salazar assumira um compromisso com ambas as potências no sentido da manutenção do comércio livre relativamente aos seus recursos domésticos e coloniais. Sobre esta matéria, o entendimento de alguns estudiosos é que, de uma forma geral, Portugal saiu beneficiado ao declarar a sua neutralidade logo no início do conflito. Neste contexto, e reportando-nos apenas aos aspectos de natureza comercial, há a registar o progresso assinalável da balança comercial portuguesa, que de um défice de cerca de 90 milhões de dólares em 1939, passou para um superavit de cerca de 68 milhões de dólares em 1942. Talvez uma das possíveis explicações para o relativo sucesso económico português nessa altura se deva, pelo menos em parte, à existência, no seu território, de depósitos de volfrâmio. Relativamente a esta questão, importa referir que a Alemanha dependia totalmente de Portugal e de Espanha para a importação daquele minério. Há a assinalar, por outro lado, que os Aliados não dependiam apenas do nosso país para os seus abastecimentos, constituindo um dos seus principais objectivos evitar, ou, pelo menos reduzir, o mais possível, os abastecimentos à Alemanha. Como é possível verificar, a competição no que diz respeito à aquisição de volfrâmio foi intensa e, em 1943, o seu preço aumentou 775% relativamente ao seu custo antes do início do segundo conflito mundial. Por outro lado, registou-se um aumento substancial da sua produção, tendo vindo a aumentar de 2.419 toneladas métricas, em 1938, para 6.500 toneladas, em 1942. Tendo em consideração o que foi previamente referido, e por forma a poder manter a sua neutralidade, Portugal viu-se na necessidade de implementar um sistema muito restritivo de quotas de exportação. Este sistema veio a permitir a cada um dos beligerantes exportar volfrâmio das suas próprias minas assim como uma percentagem fixa de produção proveniente de minas independentes. Ainda acerca desta questão, Salazar era da opinião de que a Inglaterra não poderia “ter os benefícios da neutralidade portuguesa e nada pagar por ela”. Por outro lado, no que dizia respeito às relações do nosso país com a Alemanha, o Ministro Português dos Negócios Estrangeiros entendia que essas relações, assim como os fornecimentos de estanho e de volfrâmio, eram o preço que a Inglaterra pagava pelo sossego da Península e até pela neutralidade da Espanha(14). OLIVEIRA SALAZAR E A NEUTRALIDADE PORTUGUESA Relativamente a esta problemática, Oliveira Salazar era da opinião de que Portugal queria seguir para com a Inglaterra a neutralidade mais benévola possível, desde que essa situação parecesse ser a de maior vantagem para o nosso país. Por outro lado, entendia que era muito importante o serviço que Portugal prestava à Europa e à América com a nossa atitude de impecável neutralidade e a vantagem tanto para neutros americanos como para beligerantes europeus de não perturbarem o último ponto neutro despido de todas as ambições ou reivindicações, por onde se mantinham relações entre a América e a Europa(15). O que mais interessa sublinhar, neste contexto, é o facto de que, em paralelo com a questão relacionada com o volfrâmio, decorriam as negociações com os Aliados relativamente à concessão de facilidades militares nos Açores. Independentemente do que sucedeu, é, pensamos nós, importante referir, que no articulado da Convenção de Haia, de 1907, designadamente nos seus artigos 5o e 13°, torna-se evidente que nenhum país, ao adoptar o estatuto de neutralidade perante um conflito, seja ele de que natureza for, pode conceder facilidades de natureza militar no seu território a qualquer beligerante. Consequentemente, a conclusão lógica e evidente que se pode tirar daqui é que Portugal não foi neutral do estrito ponto de vista da teoria da neutralidade e do Direito Internacional vigente nessa altura. No entanto, tendo em vista a contenção do expansionismo germânico na Europa, tanto a Grã-Bretanha como, mais tarde, os Estados Unidos da América, solicitaram a Portugal essas facilidades, solicitações que, a determinada altura, chegaram a ser manifestamente exageradas, pelo menos por parte da Administração norte-americana(16). Muito embora existisse uma aliança formal entre o nosso país e a Inglaterra, o mesmo não sucedia com a nação norte-americana. O que esteve na base do acordo entre o Governo Português e a Administração dos Estados Unidos da América, foi, de facto, a província de Timor que havia sido ocupada por tropas Japonesas em 1942. Contudo, é importante referir, neste contexto, que foram tropas Aliadas (Holandesas e Australianas) que ocuparam aquele território antes de os Japoneses o terem feito, tendo colocado em perigo, obviamente, a neutralidade de Portugal nessa altura. No que diz respeito à Inglaterra, este país invocou expressamente a Aliança Luso-Britânica e solicitou as facilidades que pretendia nos Açores, na medida em que facilitariam as ligações marítimas entre o seu país e o exterior, designadamente através do Atlântico Norte. Como é sabido, a ameaça dos submarinos alemães era muito séria nessa altura e constituiu um factor da maior importância a ter em conta pelos Aliados. Relativamente a este ponto, o Governo Britânico publicou um relatório no qual se refere que das mais de 30.000 vítimas da Marinha Mercante, cerca de 23.000 foram motivadas pelas acções dos submarinos alemães. Por outro lado, a maioria das perdas de navios, 69% do total, foi infligida por submarinos, os quais, nos 68 meses do conflito, afundaram 2.775 navios mercantes Ingleses, Aliados e neutros, cuja tonelagem era da ordem das 14 milhões e meio de toneladas(17). Com base no que foi previamente referido, podemos, de facto, constatar a necessidade de evitar que os Açores ficassem sob o controlo do inimigo. Para além disso, como na altura referiu o Embaixador Português em Londres, a nossa vida dependia essencialmente do mar, o que significava que dependia da esquadra britânica que dominava o Atlântico e o Índico. Num apontamento de conversa com o Secretário de Estado Britânico dos Negócios Estrangeiros, referiu ainda as posições vitais para o Império Britânico que Portugal tinha no mundo: os Açores, Cabo Verde, o caminho de ferro de Benguela, o Lobito, a Beira, Lagos e toda a costa portuguesa. Na sequência disto, afirmou ainda o seguinte:”... A nossa amizade representa para a Inglaterra a segurança do Atlântico, a entrada do Mediterrâneo, a certeza do caminho do Oriente sempre aberto. Porque é que tanta vez e durante tanto tempo VV se obstinaram, nestas condições, em nos tratar como “quantité negligeable?”(18). À Inglaterra interessava sobretudo que Portugal adoptasse uma neutralidade colaborante, como, de facto, veio a acontecer, e a Portugal, por outro lado, interessava-lhe, acima de tudo, que a Inglaterra continuasse a controlar os oceanos. Em todo este contexto, não é despiciendo referir-se que, nessa altura, os Açores constituíam pedra essencial da neutralidade peninsular. No entanto, Oliveira Salazar entendia que a Alemanha, independentemente da posição Portuguesa, devia obter algumas vantagens materiais resultantes da nossa neutralidade. Para além deste aspecto, Portugal não tinha outra alternativa senão estar de bem “...com os senhores do mar, estar ao lado de quem comanda o Atlântico”, como afirmou o Embaixador Armindo Monteiro. Este, no mesmo documento enviado a Oliveira Salazar, escreveu ainda o seguinte: “Olhando o futuro à luz do que ficou dito, a acção política portuguesa no campo internacional, pelo menos na sua concepção e directrizes gerais, assume certa simplicidade. A História ensina e a experiência dos nos- sos dias confirma, como facto essencial, que os países fracos só têm independência real quando raro conjunto de circunstâncias coloca os seus interesses fora do campo de atracção das grandes potências; de ordinário, são irresistivelmente atraídos para estas por uma lei de gravitação social tão inelutável como a que rege os movimentos dos corpos celestes”(19). Armindo Monteiro entendia que os Ingleses se deixavam impressionar muito pouco com os interesses dos outros, mas que, pelo contrário, a ideia de cederem nos seus interesses os perturbava muito e acima de tudo era-lhes cara a defesa das linhas de comunicação imperiais. Ainda segundo aquele Embaixador, existiam três pontos em que não acreditava: na generosidade ou isenção das grandes nações; no seu respeito pelos países pequenos ou fracos e na firmeza na palavra dada quando grandes interesses estivessem em jogo. Neste sentido, escreveu ainda o seguinte: “No dia em que os grandes Governos entrarem a conversar sobre colónias, creio firmemente que todas as ideias de respeito pela propriedade ou soberania dos outros se irão a pouco e pouco desvanecendo” e, ainda no mesmo documento: “Releia Vossa Excelência, nos documentos diplomáticos britânicos e nos documentos diplomáticos franceses, os papéis que se referem ao assalto em 1913 preparado contra o nosso domínio ultramarino e verá como os corvos surgem sucessivamente das capitais europeias, uns atrás dos outros, para nada ficar do suposto cadáver português”20. Entendemos que estas palavras, extremamente significativas, voltam o colocar o problema, da maior importância, que se relaciona com a problemática do relacionamento entre os pequenos Estados, por um lado, e os grandes Estados, por outro, designadamente durante um conflito de natureza militar. No que diz respeito à importância das ilhas atlânticas para os Estados Unidos da América, num telegrama enviado por Armindo Monteiro a Oliveira Salazar, lê-se o seguinte: “Devemos perguntar-nos se não será preciso declarar que as ilhas do Atlântico estão incluídas no acto de Havana, na doutrina de Monroe e na necessidade de defesa do hemisfério, com fundamento de que é mais seguro impedir que caiam nas mãos dos agressores do que emendar consequências quando já tiverem caído”(21). Directamente relacionado com este assunto, Roosevelt proferiu, no final de Dezembro de 1940, e reportando-se à hipótese de os Alemães ganharem a guerra, o seguinte:” Would the islands of the Azores still fly the flag of Portugal after five centuries? You and I think of Hawaii as an outpost of defense in the Pacific. Yet the Azores are closer to our shores in the Atlantic than Hawaii is on the other side”(22). Este discurso do Presidente Roosevelt foi entendido, pela maioria dos comentadores, como um aviso à Alemanha, de que se a Espanha e Portugal fossem invadidos, os Estados Unidos da América ver-se-iam forçados a estenderem o manto protector da doutrina de Monroe até aos Açores(23). Já a 6 de Maio de 1941, o Senador Pepper profere no Senado um discurso no qual advoga a ocupação dos Açores, de Cabo Verde, das Canárias e de Dacar24, tendo recebido, para o efeito, o apoio da imprensa norte-americana, na medida em que defendia que os Aliados, a fim de garantirem a sua defesa, se antecipassem à realização das intenções atribuídas à Alemanha de invadir Portugal e as suas ilhas atlânticas(25). A 24 de Maio de 1941, o Presidente Roosevelt ordenava aos Chefes do seu Estado-Maior que aprontassem forças da Armada para, apoiadas pelas esquadras do Atlântico, ocuparem os Açores. As unidades já estavam a ser treinadas sob o comando do Major-General Holland M. Smith, do Corpo de Fuzileiros Navais, quando, a seguir a uma troca de impressões entre Winston Churchill e o Presidente norte-americano, em princípios de Junho de 1941, a ocupação dos Açores foi anulada e substituída pela da Islândia(26). Na Segunda Guerra Mundial, os norte-americanos “wanted the Azores to offer those facilities which would permit the ferrying of a great number of land based aircraft to Europe for participation in the Normandy invasion and later to support the Allied advances on the continent”(27). Os Açores eram, portanto, da maior importância para os Aliados na condução da guerra e, por conseguinte, estava tudo preparado, por exemplo na Conferência Tridente, na qual participaram Roosevelt e Churchill, para se invadir os Açores, com ou sem o consentimento do Governo Português. Em todo este contexto do relacionamento entre Portugal, 40 Dia Internacional da Aviação Civil o Reino Unido e os Estados Unidos da América, Armindo Monteiro, enquanto Embaixador de Portugal em Londres, demonstrou uma clarividência e um realismo verdadeiramente notáveis. Ele entendeu, desde a primeira hora, que não era possível, nem mesmo desejável, que Oliveira Salazar protelasse sistematicamente o problema que se relacionava com o desejo e a necessidade por parte do Reino Unido de obter facilidades de natureza militar no arquipélago dos Açores. Por outro lado, não é possível separar a problemática que tem a ver com a cedência de facilidades militares aos Aliados nos Açores da questão colonial. No entender de Oliveira Salazar, uma das maiores preocupações, senão mesmo a maior, para o Governo Português, ao longo da Segunda Guerra Mundial, tinha a ver com a manutenção da integridade territorial portuguesa, tanto no continente europeu e ilhas como nas suas colónias espalhadas pelo mundo. Para além deste aspecto, ao lermos os documentos atrás referenciados, podemos, de facto, analisá-los à luz da chamada Realpolitik que, segundo alguns autores, teve a sua génese com Maquiavel no século XVI, sendo, posteriormente, desenvolvida, por Thomas Hobbes, Hans Morgenthau, Henry Kissinger, Raymond Aron, entre outros(28). Entendemos que essa teoria do realismo político mantem, em grande parte, a sua actualidade, na medida em que as Relações Internacionais são fundamentalmente relações que assentam no poder. E, na maioria dos casos, quem detêm o poder é que alcança os seus objectivos. Por outro lado, e na sequência do que foi anteriormente referido, é comum que os aspectos de ordem moral e ética não sejam, muitas vezes, tidos na devida conta. Como é evidente, a Segunda Guerra Mundial não fugiu a essa regra básica da Realpolitik. Tratava-se de uma guerra global e existencial na qual o que mais interessava aos contendores não era apenas a sua sobrevivência, mas aniquilar, por completo, se possível, o adversário. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como podemos constatar, em todo este contexto, o arquipélago dos Açores desempenhou sempre um papel da maior importância e que voltou a verificar-se após o último conflito mundial, na medida em que Portugal, independentemente de, nessa altura, não ser um país democrático, foi convidado a fazer parte de uma Organização Internacional que é a Aliança Atlântica. Os pressupostos básicos de natureza geopolítica e geoestratégica subjacentes à importância do arquipélago açoriano foram basicamente os mesmos que se verificaram anos antes. Isto é, manteve-se a necessidade premente por parte dos Aliados de poderem dispor de um ponto de apoio a meio do Atlântico que lhes permitissem deslocar, o mais rapidamente possível, tropas e material de guerra para uma zona de conflito que poderia ser no norte de África, no Médio Oriente ou mesmo no chamado flanco sul da Aliança Atlântica. Por outro lado, desde muito cedo que os dirigentes norte-americanos entenderam que a segurança do Atlântico era algo pelo qual os Estados Unidos deviam lutar. Walter Lippman fez referência àquilo que pode muito bem ter sido uma alusão ao que em 1949 veio a ser a Organização do Tratado do Atlântico Norte. Essa comunidade de nações livres em ambas as margens do Atlântico, veio, de facto, a ter lugar após a Segunda Guerra Mundial. No entanto, não podemos esquecer que, desde o seu início como nação independente, os Estados Unidos da América tinham como um dos seus principais axiomas, no âmbito da política externa, o seu alheamento face aos problemas e conflitos europeus. Aliás, a doutrina de Monroe é sintomática disso mesmo. Isto é, evitar a todo o custo que as potências europeias de intrometessem nos assuntos internos americanos. Esta perspectiva da política externa por parte dos Estados Unidos da América manteve-se inalterada até à Segunda Guerra Mundial, com Franklin Delano Roosevelt, independentemente daquele país ter entrado, tardiamente, na Primeira Guerra Mundial. Até ao segundo conflito mundial, os Estados Unidos dispunham dos recursos económicos e financeiros que preenchiam as condições para serem uma grande potência, mas não possuíam a filosofia indispensável para o serem, de facto. O sentimento neo-isolacionista norte-americano nunca desapareceu por completo, como ainda hoje em dia se pode facilmente verificar. O que se passou foi que após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos da América viram-se na necessidade de assumir as responsabilidades decorrentes do facto de terem ganho a guerra e de terem de trabalhar no sentido da preparação e implementação de uma nova ordem internacional que se caracterizou, até à queda do Muro de Berlim, em Novembro de 1989, por ser bipolar em termos estratégico-militares. Foi, de igual modo, no âmbito desta nova ordem internacional, consequência directa do último conflito mundial, que Portugal, e designadamente os Açores, continuou a desempenhar uma papel da maior relevância dos pontos de vista geopolítico e geoestratégico. Tal verificou-se, antes de mais, através do convite formulado a Portugal para ser membro fundador da Aliança Atlântica, em Abril de 1949. E o que esteve na base desse convite foi precisamente a importância geoestratégica dos Açores, como o demonstra claramente a documentação diplomática norte-americana dessa altura. Os exemplos que consubstanciam essas afirmações são vários: desde o bloqueio Berlim, a guerra do Yom Kippur e, mais recentemente, as duas guerras do Golfo, verificou-se que o arquipélago dos Açores constituiu, de facto, um elemento de extrema importância no que concerne à projecção de poder por parte dos Estados Unidos da América para aquelas regiões do mundo. Estes aspectos contribuem para dar corpo à tese defendida pelo Professor Adriano Moreira, do chamado poder funcional de Portugal. Como país pequeno que é, e com limitados recursos, a única forma do nosso país se poder afirmar no plano internacional é, na realidade, através do poder que lhe advém do seu posicionamento internacional e que lhe é concedido através do elevado valor estratégico das suas posições no mundo, designadamente do arquipélago dos Açores. (1) Veja-se o trabalho de António José Telo, Os Açores e o Controlo do Atlântico, Edições Asa, Lisboa, 1993, p. 93. (2) José Medeiros Ferreira, Portugal na Conferência da Paz, Quetzal Editores, Lisboa, 1992, p. 37. (3) bid.,, p. 49. (4) Luís Andrade, Neutralidade Colaborante – o caso de Por- tugal na Segunda Guerra Mundial, Coingra, Ponta Delgada, 1993, p. 129. (5) Dez Anos de Política Externa, vol. IV, Doc. No 749, p. 25. (6) Acerca deste assunto, veja-se o livro de Claude Raffestin, Géopolitique et Histoire, Editions Payot, Lausanne, 1995. (7) Citado por James Robert Huntley, The NATO Story, Manhattan Printing Company, New York, 1969, p. 15 (8) Ibid., (9) “Franklin D. Roosevelt nos Açores durante a Primeira Guerra Mundial”, in Diário de Notícias, 15 de Dezembro de 1982, p. 15. (10) Veja-se o trabalho do autor, Os Açores, a Segunda Guerra Mundial e a NATO, Impraçor, S.A., Ponta Delgada, 1992, pp. 49-50. (11) George F. Kennan, Memoirs, 1925-1950, Pantheon Books New York, 1967, p. 146. Veja-se, de igual modo, a obra do mesmo autor, At a Century’s Ending, W.W. Norton and Company, New York, 1996. (12) Veja-se o artigo de Luís Nuno Rodrigues “O Acordo Luso-Americano dos Açores de 1944” in Portugal e o Atlântico – 60 Anos dos Acordos dos Açores, Centro de Estudos de História Contemporânea Portuguesa, Lisboa, 2005. (13) Marcello Caetano, Minhas Memórias de Salazar, Edit. Verbo, Lisboa, 1977, p.168. (14) Dez Anos de Política Externa, vol. XII, Doc. No 103, p.166. 15 Ibid.,., vol. VII, Doc. No 941, p. 190. (16) Ver, por exemplo, o trabalho de Carlos Bessa, A Libertação de Timor na Segunda Guerra Mundial – a importância dos Açores para os interesses dos Estados Unidos – subsídios históricos, Academia Portuguesa da História, Lisboa, 1992, p.47. (17) The Battle of the Atlantic – The Official Account of the Fight against the U-Boats 1939-1945, Her Majesty’s Stationery Office, London, 1946, pp. 6-8. (18) Dez Anos de Política Externa, vol. X, Doc. No 830, p.157. (19) Dez Anos de Política Externa, vol. VIII, Doc. No 1953, pp. 575-576. (20) Ibid., Vol. I, Doc. No 1256, p. 540. (22) Ibid.,,Vol. VIII, Doc. No 1431, p. 41. (23) Veja-se o telegrama enviado pelo Ministro de Portugal em Washington a Oliveira Salazar, in Dez Anos de Política Externa, Vol. VIII, Doc. No 1417, p. 31. (24) Franco Nogueira, Salazar: As Grandes Crises (1936-1945), vol. III, Atlântida Editora, Coimbra, 1978, p. 319. (25) Augusto de Castro, Subsídios para a História da Política Externa Portuguesa durante a Guerra, Livraria Bertrand, Lisboa, 1954, pp. 20-21. (26) Ibid., p. 25. Veja-se, também, a obra de Ernesto Machado, Recordando nas duas Grandes Guerras, Tipografia da L.C.G.G., Lisboa, 1959, p. 182 e ainda o livro de Stott Howorth, A Aliança Luso-Britânica e a Segunda Guerra Mundial, E.N.P., Lisboa, 1956, p. 28. (27) Luc Crollen, Portugal, the U.S. and NATO, Leuven University Press, Lovaina, 1973, p. 36. (28) Acerca desta matéria, veja-se, por exemplo, a obra editada por Kristen Renwick Monroe, Contemporary Political Theory, University of California Press, Berkeley and Los Angeles, California, 1997; Terence Ball, Reappraising Political Theory, Clarendon Press, Oxford, 1995; Ken Booth e Steve Smith (Edit.), International Relations Theory Today , the Pennsylvania State University Press, University Park, Pennsylvania, 1995.

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